terça-feira, 20 de novembro de 2007

Múltipos mim


Outrora me quis ver
quis-me entender
cara a cara comigo mesmo.
E então descobrir, humildemente,
esse mundo tão distante, estranho,
e indiferente que eu sou.
Espelhos não adiantam mais,
não refletem o mais importante
que é o sentimento.
Então, múltiplos mim fabricarei.
E enfim ver-me, ouvir-me, e
entender-me.

No lugar onde se fabricam os sonhos,
talvez me encontre.
Rindo numa esquina qualquer,
falando poesia num ouvido desconhecido,
ou olhando da janela pro amor que vai passar.
Talvez,
mas ninguém dirá que múltiplos mim
diferentes de mim serão,
pois não há lado meu
que se diferencie
quanto ao coração.

(Cássio Almeida)

O fantástico mundo da geladeira


Mais uma vez abro a geladeira,
o passatempo preferido nos parece.
Que nada, não tem nada.
No fundo imaginamos a geladeira um portal de ilusões.
Abriremos, e lá aparecerão dragões cuspindo fogo, castelos,
duendes, ouro, um pudim e uma coca-cola.
Que nada, não tem nada,
só água gelada, um pote de manteiga,
e aquela lâmpada queimada.

(Cássio Almeida)

Pulsante


Coração bate forte
inúmeras razões
Meu amor, meus amigos,
meu time e indecisões.

E o coração bate forte
não cansa de bater
E pulsa o pulso
e segue a vida.

(Cássio Almeida)

Triz

Por um triz não é soneto
a poesia de minha vida.
Cantaria os versos tão simples
quanto canto a canção perfeita.
Quartetos de mar,
tercetos de amor.
Mas se desfez o soneto
e virou tempestade.
Acalmo-me como se acalma a dor.
Logo se vai a viração,
e chega o fim da tarde.
E a poesia de minha vida
novamente
vira calmaria.

(Cássio Almeida)

Conversações


Conversando o tempo passa rápido
Por que não passaria?
Passam também os outros
e suas conversações.
Falam do futuro, de coisas casuais,
falam também o difícil,
e a simplicidade impera.
Conversando o tempo passa rápido
e passa,
pois nada é mais estático
e para,
que um momento de silêncio.

(Cássio Almeida)

Passado escrito a lápis


Eu gostava muito de escrever a lápis. Não sei bem por que. Talvez seja por causa das coisas que se tinha devido ao uso do lápis: uma borracha, um apontador e no mínimo outro lápis. Sim, por que tinha uns que você começava a fazer ponta e não terminava nunca, o que acabava mesmo era o lápis. Não sobrava nada, ou melhor, só sobrava a sujeira.
O destaque em termos de lápis na época, eu me lembro, era um lápis meio emborrachado. Todo mundo acabava quebrando o lápis tentando entorta-lo. Era bom de escrever com ele, realmente era o melhor, mas eu confesso que quebrei muitos deles também.
Borracha: lembro-me de duas. Eu sempre quis ter aquela borracha com uma metade azul e a outra vermelha (a parte azul diziam que apagava caneta) eu nem usava muito caneta, mas claro, eu tive que fazer o teste: acabei furando a folha do caderno. Essa história que a parte azul da borracha apaga caneta é pura lenda, pode acreditar.
Mas a minha borracha preferida sempre foi aquela bela e quadrada borracha branca, aquela com uma carinha no meio. Até hoje eu não sei quem é aquele senhor estampado no meio da borracha, que frustração, ele devia ser o inventor da borracha ou algo assim, sei lá. Mas aquela parar mim era a melhor.
O apontador, bom, é um capítulo à parte. Com certeza era o que mais ocupava espaço no estojo, isso quando entrava no estojo. Se tinha uma coisa que não me chamava a atenção, era o apontador. Eu tinha daqueles bem simples. Além disso, eu sempre acabava ficando só com a lámina mesmo. Esculpia verdadeiras obras de artes nos meus lápis e uns dolorosos cortes nos dedos.
Mas o que algumas pessoas possuiam não eram somente apontadores, o apontador era apenas um mero coadjuvante por trás do ator principal.
Na verdade eram apontadores fantasiados de carros, elefantes, casas e o que mais você puder imaginar. O mais impressionante que eu vi foi de um colega. Era nada menos que um trem (ele me disse que o apontador ficava localizado entre o 5º e o 10º vagão, por aí).
Mas apesar de tudo isso, agora só escrevo à caneta, nada de lápis.
Esses dias encontrei umas anotações antigas escritas à lápis, não consegui ler nenhuma frase, de tão fracas que estavam as letras. A única coisa que identifiquei, foi um risco azul de caneta que eu fiz pra testar uma certa borracha da época.
Por isso, nada de lápis. Com o tempo, o passado escrito à làpis acaba sumindo. Agora só uso caneta.
Até que é interessante, tem até um líquido que apaga caneta. Mas eu não uso, eu rasuro e escrevo por cima mesmo, depois eu só passo a limpo.
Eu me rebelo oficialmente com o passado escrito à lápis, agora só escrevo o futuro e na base da caneta, mas sempre com o olhar desconfiado igual daquele senhor do meio da borracha.
Dizem que tem até uma caneta com sete cores diferentes para escolher, é só apertar o botão e deu!
Que frescura!!! Imagina o tamanho da caneta?
Hum... isso táme lembrando aqueles apontadores.

(Cássio Almeida)

José Maria

De tantos Josés, de tantas Marias
são todos Josés, são todas Marias.
E eu me encontro assim, perdido,
no mundo dos Josés e das Marias.

E o que me diz José?
E o que me diz Maria?
Pergunte pro José,
pergunte pra Maria.

E eu caminhava e cantava,
e seguia José e seguia Maria.
Mas todos os lugares me levavam
para o lado de lá do que eu queria.

Tudo era José e tudo era Maria.
E eu nunca me encontrava.
Nas placas diziam José,
nas casas diziam Maria.

Então assim nos nomearam
Agora somos José, agora somos Maria
José Maria igual à todos.
Pois na diferença isolaram-nos.

Agora não, agora somos iguais.
Já não nos zombam os Josés
Já não nos zombam as Marias.
Pois agora o diferente se perdera.

Agora estou sem graça,
já não vejo graça.
Tudo é espelho,
mesma face desgastada.
Mesmo gosto, sem gosto,
mesma cor, sem brilho.

Tudo igual no mundo dos iguais.

Pois nos negaram a identidade
botaram-nos sobrenomes
só não nos tiraram à alma
pois a alma não tem cor.

(Cássio Almeida)